A intensificação dos desastres naturais destaca a relação entre crise climática e vulnerabilidade social. As inundações no Rio Grande do Sul, em 2024, evidenciam essa correlação.
Joana Setzer, Kamyla Cunha e Amália Botter Fabbri afirmam que o fenômeno jurídico envolve ações judiciais e deve ser estudado. Esses eventos revelam desigualdades históricas, fragilidades institucionais e a falta de políticas públicas eficazes. O conceito de justiça climática é apresentado como uma abordagem que combina justiça social com governança ambiental para identificar os impactos desiguais da degradação ambiental sobre populações vulneráveis.
As chuvas torrenciais e a elevação abrupta dos níveis dos rios gaúchos provocaram alagamentos de grande escala, desabrigando milhares de pessoas, danificando infraestruturas e comprometendo o abastecimento de água, energia e alimentos em diversas regiões. Embora os efeitos tenham atingido vastos segmentos da população, os maiores prejuízos se concentraram em comunidades tradicionalmente marginalizadas, como indígenas, quilombolas e moradores de periferias urbanas.
Esse padrão de impacto desigual não é aleatório. Ele reflete o racismo ambiental e a histórica negligência estatal quanto à localização e às condições habitacionais dessas comunidades, frequentemente situadas em áreas de risco, sem acesso a políticas habitacionais adequadas ou planos de contingência eficazes. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em manifestação pública, chamou atenção para a necessidade de os Estados adotarem políticas públicas que reconheçam essas desigualdades estruturais e incorporem a dimensão da equidade nas estratégias de adaptação climática.
Do ponto de vista jurídico, o conceito de justiça climática está intrinsecamente ligado à efetivação de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, especialmente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225) e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade material. A ausência de políticas ambientais inclusivas constitui, portanto, não apenas uma falha administrativa, mas uma violação a direitos humanos.
Além disso, o ordenamento jurídico brasileiro oferece instrumentos capazes de responsabilizar o Estado e agentes privados pela omissão na prevenção e mitigação dos danos decorrentes de eventos climáticos extremos. Entre eles, destacam-se as ações civis públicas, os termos de ajustamento de conduta (TACs) e os mecanismos previstos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que exigem análise das consequências práticas das decisões administrativas e judiciais.
Portanto, as inundações no Rio Grande do Sul em 2024 constituem não apenas uma catástrofe ambiental, mas uma crise de direitos. Elas escancaram a necessidade de um novo paradigma jurídico-político, capaz de enfrentar de maneira estrutural as injustiças ambientais e sociais que atravessam o país. A justiça climática, nesse sentido, não pode ser vista como uma pauta meramente ideológica ou retórica, mas como um imperativo constitucional, ético e civilizatório.
É urgente que os sistemas de justiça, o Poder Público e a sociedade civil atuem de forma integrada, preventiva e inclusiva. Somente por meio de uma abordagem interseccional e centrada nos direitos humanos será possível construir resiliência climática e garantir dignidade a todas as pessoas, especialmente às mais vulnerável.